sábado, 10 de maio de 2008

'Sebum' indonésio em pele timorense...

Brrrr!... Confesso que concordo que esta não é a forma mais agradável de colocar a questão mas parece-me uma das mais apropriadas. Outra imagem poderia ser a daquelas canetas usadas para escrever nos quadros brancos de certas salas de aula mas que, por má qualidade das ditas canetas, é uma carga de trabalhos para apagar o que foi escrito com elas. Fica sempre uma sombrazinha a espreitar e a irritar pois que ainda suficientemente legível...

Mas afinal do que estou para aqui a falar.
O "sebum" é aquela gordura (sebo) que, nomeadamente quando a sua segregação é maior que o usual, acaba por tornar a pele algo oleosa e com um cheiro não muito agradável... Além disso parece que por mais que se lave a pele o seu cheiro nunca sai ou, quando sai, "arrepende-se" depressa e volta a "espreitar"... É por isso que, principalmente as senhoras, gostam de terminar a aplicação de um perfume com umas gotas atrás das orelhas... :-)

Vem isto a propósito de uma "tese" que venho defendendo há muito tempo: a de que a pior (ou, pelo menos, uma das piores...) herança(s) que os indonésios deixaram em Timor Leste foi a da sua forma de pensar e actuar perante vários assuntos e que acabou por se impregnar na "pele " dos timorenses, levando-os a adoptar comportamentos ou "soluções" do tipo "indonésio" e que aprenderam com os seus "mestres" de quase um quarto de século.

Dois exemplos do que digo ao nível das políticas (mais ou menos...) económicas.
O primeiro refere-se à maneira de "resolver" o problema do (des)emprego. É sabido que os indonésios se defrontaram em Timor Leste (o "seu" Tim-Tim") com um grave problema de desemprego e de uma enorme dificuldade em criar empregos "modernos", minimamente produtivos. A "solução" foi criar uma "Função Pública" hiper-dimensionada em relação às necessidades de administração normal da "província" com a consequência de a produtividade de muitos funcionários ser relativamente baixa --- mesmo bom para "ter a unha comprida"... Era o "custo" de manter os timorenses algo dependentes --- e nesse sentido "solidários" --- com a ocupação indonésia de Timor Leste.
Ora parece que no Timor Leste independente se "recuperou" rapidamente a "receita" indonésia para ajudar a fazer face ao problema da crónica dificuldade em gerar empregos produtivos no país. É assim que hoje em dia, passados quase dez anos do fim da administração indonésia, se está, neste domínio, no ponto em que os ex-ocupantes o deixaram: com um número de funcionários públicos que se aproxima bastante dos que existiam antigamente --- e, no caso de muuuuiiiitos deles, com uma produtividade igualmente muito baixa.
E o pior é que o incentivo e a perspectiva de que haja uma reversão da situação é menos que pouca ou nenhuma... Pois se o Fundo Petrolífero parece ser um saco sem fundo e tem cada vez mais dinheiro...

Segunda manifestação do "sebum" indonésio: o "dedinho ligeiro" para se adoptarem "soluções" que passam por intervenções do Estado no funcionamento da economia e da sociedade através da interferência na formação dos preços no mercado e a através da concessão de subsídios, prática useira e vezeira dos indonésios no tempo da sua administração de Timor --- sim, porque hoje já se deixaram disso na grande maioria dos casos...

Estes são apenas dois exemplos do "sarro" que os indonésios deixaram na "pele" (na verdade não foi na pele mas na cabeça...) dos timorenses ou, pelo menos, de uma grande maioria deles.

É curioso também verificar-se, neste domínio, uma certa "divisão de classes" entre os timorenses. Os "do interior" --- que viveram a maior parte do tempo da ocupação indonésia em Timor Leste --- têm, como é natural, uma tendência maior em "refugiarem-se" nas "soluções" indonésias (até porque elas corresponderam à única "experiência de vida" que tiveram...). Outros, os "estrangeirados" que regressaram a Timor depois de 1999 dos seus exílios no exterior, têm menor tendência a serem influenciados por tais "soluções" --- note-se que não é por acaso que uso sempre aspas na palavra...

Em certo sentido e apesar de o actual governo ter vários "estrangeirados", a (pelo menos aparente) facilidade com que ele vai procurar "soluções" ao manual indonésio por onde "estudaram" (na escola da vida) muitas das suas principais figuras revela bem a natureza da experiência por elas vivida. Há que reconhecer que no governo anterior o recurso a este tipo de "soluções" não era tão evidente ou, se quisermos, tão imediato.
Neste sentido, parece até que a História de Timor nos anos pós-2002 pode ser vista, num dos seus prismas, pelo do confronto entre "estrangeirados" e "do interior". Não é a primeira vez na História do Mundo que tal acontece e não terá sido também a última.

Enfim, creio que nestes domínios muita coisa deveria mudar. Mas qualquer mudança tem de começar pela das cabeças. Pelo menos do seu interior... Dos parafusos? Das porcas? Do "passo" de uns e de outras e do apertar para a esquerda ou para a direita? Não sei. Mas que alguma coisa tem de mudar, tem...

PS - lembram-se da famosa declaração de XG de apreço pela obra (económica, pelo menos) de Suharto aquando da morte deste? Pois é "filha" do tal "sebum" indonésio que se agarrou como lapa à "pele" de muitos timorenses --- incluindo os seus "chefes". É, salvo as devidas proporções e com todo o respeito pelos milhares e milhares de mortos, uma manifestação de um outro comportamento que se nota também em muita gente: a de que, em parte, até nem se importavam de serem "indonésios sem os TNI"...

1 comentário:

José Gomes disse...

Meu amigo, olhando o problema por este prisma até sinto calafrios!!! Porque se não é verdade, aproxima-se muito dela... e como dói!!!! Resta-me a pergunta: depois de tantas e tantas mortes, de tantas e tantas lutas, de tantos e tantos sonhos, para onde querem conduzir Timor?
Aquele abraço,
José Gomes