domingo, 27 de janeiro de 2008

Morreu o homem mas a herança fica...

Pois é! Suharto acaba de morrer mas a herança fica. Boa? Má? Os indonésios que decidam em definitivo mas é evidente que a um ocidental fará sempre muita confusão a maior parte do que fez em vida.
Começou pela forma como subiu ao poder: as estimativas sobre o número de mortos que resultou do seu golpe de Estado de 1966 e da sua ascensão à Presidência da República um ano depois variam entre as largas centenas de milhar (num mínimo de cerca de 500 mil) e os mais de 2 milhões (isso: um 2 seguido de seis-zeros-seis !). A maior parte deles filiados ou simpatizantes do Partido Comunista, militantes mais ou menos de esquerda e muitos membros da comunidade chinesa, acusados de serem a "guarda avançada" do comunismo chinês dentro do país.

Esta realidade, imperdoável em qualquer cultura, deve ser vista (mas não desculpada, claro!) tendo como pano de fundo a luta contra os comunistas que então se intensificava em todo o Sudeste Asiático, do (quase) vizinho Vietname aos outros países da região (incluindo a Malásia e até Singapura).
Foi sobre aqueles mortos que foi erigida gradualmente a "Nova Ordem" que ele implementou --- pfff!... que cheiro nauseabundo a "Estado Novo"...

Sob o ponto de vista económico é difícil negar a melhoria significativa das condições de vida do povo indonésio ao longo do seu "reinado" de cerca de 30 anos (terminados em 1998).
A estratégia adoptada foi, no entanto, curiosa e quase exclusiva do país.
Defrontado com a realidade de ter o poder político mas não o económico (que estava e ainda está na mão da comunidade de origem chinesa), o governo decidiu, com uma política de "pau e cenoura", adptar o capitalismo numa versão muito sui generis.
Como não há capitalismo sem capitalistas e na época, fruto do poder colonial, não havia capitalistas (etnicamente) indonésios, o (novo) poder (político) não teve outra alternativa senão aliar-se aos capitalistas de origem chinesa --- apesar de, usando o "pau", os obrigar a mudarem os seus nomes para nomes indonésios e limitar as escolas e templos chineses.
Essa aliança foi cimentada numa versão indonésia de "condicionamento industrial/económico": a burocracia política (etnicamente) indonésia concedia as licenças de investimento e para os grandes negócios envolvendo o Estado mediante o pagamento de chorudas "luvas" a quem tinha o poder de decidir. Foi assim que a família Suharto e os seus aliados em todo este processo --- a grande maioria da camada militar dirigente --- enriqueceram, tornando-se eles próprios capitalistas (etnicamente) indonésios. A mulher de Suharto era, mesmo, conhecida pela designação de "senhora 30%"!...
Esta associação entre militares e "cukons" (os empresários de origem chinesa) estendeu-se também às multinacionais estrangeiras que investiram no país atraídos pelo crescente mercado nacional, pelos salários baixos (essenciais para reduzir o preço das exportações) e pela estabilidade política: também elas tiveram de pagar aos detentores do poder político para se instalarem.
Assim se criou uma ligação curiosa entre, por um lado, o poder político (que assumiu a corrupção descarada e a todos os níveis como um instrumento privilegiado de política económica e de criação da burguesia "nacional", agora "etnicamente indonésia") e, por outro, os capitalistas de origem chinesa e de origem estrangeira. Foi o reino do"KKN": [K]orrupção, [K]olusão e Nepotismo.

Claro que para nós o que nos interessa mais os cerca de 200 mil mortos que custou a ocupação colonial indonésia de Timor Leste.
Felizmente tudo isto é passado. Mas infelizmente o passado tende sempre, pelo menos em parte, a perpetuar-se no futuro.
Na Indonésia, o KKN continua; em Timor Leste os maus hábitos herdados do colonizador de 1975 a 1999 estão, muitos deles, bem vivos e vão levar tempo a passar. Se passarem... Há quem pense que o seu (eventual) desaparecimento levará gerações.

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