Cumprindo o serviço militar... No meu caso na "Gloriosa", a Marinha. "A Pátria honrai que a Pátria vos contempla". Mais concretamente no... Serviço de Informação Pública das Forças Armadas (SIPFA) do Estado Maior General das Forças Armadas (EMGFA), na "Cova da Moura" (não! não é exactamente essa...!... é o palacete da Avª Infante Santo, em Lisboa...).
Como calculam, nos dias a seguir à Revolução dos Cravos (parabéns, menina! Obrigado Salgueiro Maia!) não tínhamos mãos a medir: haver um serviço que se chamava "de Informação Pública das Forças Armadas" parecia uma bênção para toda a gente que queria saber coisas... Como se nós soubessemos... :-)
Mas depois é que foram elas: as Forças Armadas passaram, de repente, a ser o "ai Jesus" de todo um povo e tinham que ter solução para tudo. Foram uns tempos "heróicos": coube-me pessoalmente de tudo um pouco. Fui conselheiro matrimonial, participei numa ou noutra reunião em empresas para tentar pôr água na fervura nas relações entre patrões e empregados, fui conselheiro de pessoas que queriam saber se as FA as deixavam ocupar casas, dei palpites em questões de acesso a águas em terreolas de Trás-os-Montes, dei entrevistas a jornais estrangeiros e, para fazer de uma história longa uma historieta curta, conversei com exilados políticos que eram refractários ao serviço militar ( "à guerra") sobre as perspectivas para o seu regresso a Portugal sem terem de ir parar com os costados à "tropa".
Recordo particularmente de um deles, exilado na Argélia. Mais ou menos em representação de outros que também lá estavam veio a Portugal logo no início de Maio de 74 para tentar "tirar nabos da púcara" quanto ao tratamento que as FA lhes reservavam se regressassem a Portugal para participar no esforço de reorganização do país.
AB (as iniciais do seu nome) esteve um bom bocado de tempo procurando descortinar resposta firme para uma coisa em que ninguém tinha ainda pensado, preocupados que estávamos (colectivamente) com outras coisas bem mais urgentes. Sem garantir nada, lá lhe fui dizendo que uma solução para o caso não seria tomada nos próximos meses, certamente, mas que toda a "lógica" do processo ia no sentido de os deixar regressar sem obrigar ninguém ao cumprimento do serviço militar --- ainda por cima no caso de gente, como era o caso dele, com mais de 35 anos e com formação académica superior. Desses tínhamos cá muitos...
Depois de uma cavaqueira de cerca de uma hora lá se convenceu que o melhor era "esperar para ver em que paravam as modas" e adiar uns meses o regresso.
Depois disto, qual não foi o meu espanto quando, em Outubro seguinte, numa reunião de trabalho dei de caras com ele. Fiquei eu tão espantado quanto ele e passados os primeiros momentos perguntei-lhe se tinha regressado definitivamente --- pergunta tonta no contexto em que foi feita: o de uma reunião de trabalho. Respondeu-me que sim e depois explicou-me que eu tinha desempenhado um papel fundamental na sua decisão não tanto pela conversa que tinhamos tido mas por um outro facto de que nem me tinha apercebido.
É que na altura e por necessidades profissionais eu andava a ler "O Capital" --- sim, esse, o do Carlinhos Marx...
Ora, depois da conversa com ele eu tinha ido ao meu gabinete buscar o livro para me ir embora e desci no elevador com o dito exilado e o livro na mão. Foi aí, disse-me ele, que decidiu regressar pois pensou para os seus botões: "O que é isto?!... Um oficial da Armada a ler "O Capital" ?!... Este país mudou mesmo e esta gente não tem nada a ver com os 'tropas' de antigamente. Vou mas é à Argélia buscar a trouxa e regresso a Portugal". E assim fez...
E esta, hem?!...
sexta-feira, 25 de abril de 2008
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1 comentário:
A história do 25 Abril faz-se com estes pequenos episódios...
E quantas mais histórias haverá escondidas por aí?
Um abraço,
José Gomes
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